sexta-feira, 6 de maio de 2011

Irritada




Jéssica estava incomodada. Pra falar a verdade, estava irritada. Bem irritada. Culpa dele, pra variar.


- Hum, já está deitada? - era ele. Como se nunca tivesse feito nada que poderia desencadear tamanha irritação.


- Ué, estou, não está vendo não? - tentou se fazer de petulante, mas ele interpretou como uma implicância de brincadeira e riu.


Deitou-se ao lado dela e disse boa-noite enquanto desligava o abajur. Ela virou-se de lado na cama - de costas para ele - como resposta.


Ah, como ficou irritada quando sentiu o corpo dele vindo de encontro com o seu!


- Isso, de conchinha, que gostoso! - sussurrou ele em seu ouvido, feliz.
Tentou suave e discretamente afastar seu corpo o máximo possível - a discrição, para Jéssica, era de extrema importância; se ele não sabia qual era o problema, não era ela quem ia contar. Seu homem deveria ser capaz de entendê-la por completo. Entretanto, cada vez que ela conseguia descolar um pouquinho seus corpos, ele a puxava mais para perto e arruinava todo o seu trabalho.


Ela resolveu, então, mexer os ombros como se estivesse desconfortável. Ele, que ainda não tinha pegado no sono, virou e ficou de barriga para cima.


"Até que enfim" Jéssica pensou, com um sorriso meio triste, mas que acrescentava satisfação à sua mistura confusa de sentimentos irritados. Satisfação essa, que durou apenas uns segundos antes dele mais uma vez sussurrar no ouvido dela.


- Vem, deita aqui no meu peito.


Ele a puxou e Jéssica pousou a cabeça no peito dele, contrariada. Emburrada. Irritada.


Recusou-se a se aconchegar melhor nele. Não passou o braço por cima dele nem nada. Ficou lá, estática, a cabeça sobre o peito dele.


- Não é à toa que você está deconfortável - disse ele com uma voz sonolenta - vem cá!


Puxou o braço dela. Pra cima dele. Ele estava obrigando-a a se acomodar? Era isso? Ah, mas não ia fica assim, mesmo. Ela continuou com seu corpo rígido, duro. Não entrelaçou as pernas com as dele. Aliás, manteve suas pernas do outro lado da cama - o mais longe possível - o que olhando em retrospectiva, deixou seu corpo em uma posição meio estranha. Mas foi recompensada ao perceber um busca frustrada da parte dele.


Ouviu um ronco. Irritou-se ainda mais, se é que isso era possível. Então ele tinha desistido de tentar deixá-la confortável? Era isso? Esperou mais um pouco e desvencilhou-se dele. Passou a noite inteira semi-acordada, fugindo de seu toque.


Quando acordou pra valer, a irritação chegara a outro nível. Agora... Bom, agora ele notou. E ouviu. Muito.


- Mas meu amor, o que eu tinha feito pra te deixar tão irritada, em primeiro lugar?


- Viu?! Era justamente disso que eu estava falando! Eu não acredito que você nem sabe...


Ele interrompeu:



- Jéssica, você não lembra mais, não é?


Ela não precisou responder. O vermelho que surgiu em sua face disse a ele tudo o que ele precisava saber.

Um comentário:

  1. Eu ia dizer o quanto acho que vocês, mulheres, arrumam picuinhas que se transformam em desastres sem precisar nem ser picuinhas, muito menos desastres. Mas esse final me deixou curioso e intrigado para saber o que se passou e passaria. Muito bom.

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