sexta-feira, 4 de março de 2011

Definindo Relacionamentos


Ela achou cruel. Aquele site a obrigava a preencher um campo chamado "relacionamento". Era impossível passar para a próxima página e encerrar o cadastro se aquele campo não revelasse, afinal, qual era a dela. E a pior parte era que ela não tinha que selecionar o que mais se adequava com a sua situação, dentre várias opções já fornecidas pelo site. Tinha que escrever ela mesma. "Se isso fosse uma prova", pensou irritada, "não seria de múltipla escolha".

Mas, afinal, qual era a dela?

- Sou Carolina, 26 anos, e sou... - falou baixinho, na esperança que viesse a resposta automaticamente.
Carolina tinha sido casada. Conhecera esse cara uma noite e fora amor à primeira vista. Pelo menos para ela. Para ele tinha sido mais "desejo à primeira vista" - e dada a incapacidade de alguns homens de diferenciarem desejo de amor, acabaram namorando. Um namoro relâmpago que resultou em um casamento ainda mais rápido; de apenas cinco meses.

Então ela deveria escrever "divorciada"?

Não achava justo que por culpa de um pequeno erro de julgamento devesse ter o rótulo de divorciada para a vida toda. Tinha amado e seguido um impulso, seguido seu coração. E de acordo com ela, "divorciada" iria sempre dar a impressão de que ela não conseguia manter um casamento. Não, não escreveria "divorciada".
Deveria escrever "solteira", então?

Lembrou-se de Marcelo. Era um cara com quem ela tinha saído quatro vezes e parecia promissor. Não chegava a ser um namoro, então "namorando" estava fora da mesa. Mas também não achava justo ter de escrever "solteira" se estava saindo com alguém. Não era como se ela tivesse se resignado a ficar sozinha, estava tentando! Devia receber crédito por isso! E gostava de Marcelo. Gostava de como ele a chamava de Carol, de como ele colocava o cabelo dela atrás da orelha e de como a beijava com intensidade.

Deveria então escrever "saindo com alguém promissor" ou "perto de um relacionamento sério"?

Claro, antes de decidir começar um relacionamento sério com Marcelo, deveria dar um jeito em Paulo. Paulo... Paulo era um problema; era lindo, sexy, divertido e seu melhor amigo de anos. Também era o cara com quem ela começou uma amizade colorida assim que seu casamento terminou. Mas, em sua defesa, tinha sido difícil resistir - ele a tinha consolado em relação ao divórcio dizendo que ela era linda, inteligente e o sonho de todos os homens. Agora acabavam na cama sempre que se encontravam.

Escreveria o quê, então? "Saindo por aí"? Não, isso ficava horrível. "Saindo com dois homens ao mesmo tempo"? Ainda pior. "Divorciada, mas saindo com alguém promissor e indo para a cama com o melhor amigo sempre que possível"? Pronto, agora ela estava delirando.

Resolveu dar um tempo na sua indecisão. Olhou para baixo pela janela do prédio e teve a agradável surpresa de ver seu vizinho entrando pela porta. Ou como era mais conhecido: o-vizinho-gato-do-andar-de-baixo. Suspirou; aqueles olhos verdes eram o sonho de toda mulher. Não sabia seu nome. Aliás, nunca tinham se falado, só trocado sorrisos safados no elevador. Suspirou novamente, dessa vez de pena de si mesma. O que iria escrever naquele site? "Divorciada, mas saindo com alguém promissor, indo para a cama com o melhor amigo sempre que possível e paquerando o vizinho de baixo com esperança de que alguma coisa aconteça"?

Não, o vizinho nem devia virar parte do problema. O que era uma paquerinha inocente uma vez ou outra? Daria cem reais pra quem trouxesse uma mulher que nunca paquerou um vizinho bonito. Recusava-se a acreditar que era a única mulher que não prestava no mundo. O vizinho definitivamente não seria levado em consideração.

Provavelmente Bernardo também não deveria ser levado em consideração. Bernardo era o primeiro amor de Carolina e era responsável por ter partido seu coração. Não só ele tinha terminado com ela, mas também se mudado da cidade. Eles nunca foram capazes de perder totalmente o contato, então mandavam emails um para o outro. Às vezes, ele escrevia que sentia falta dela ou então dizia que estava com ciúme dos homens com quem ela saía, o que fazia o corção de Carol bater mais rápido. Na maioria das vezes, relembravam os velhos tempos; mas não era surpresa a conversa tornar-se um pouquinho mais picante.

"Divorciada, mas saindo com alguém promissor, indo para a cama com o melhor amigo sempre que possível, paquerando o vizinho do andar de baixo na esperança que alguma coisa aconteça e fazendo sexo virtual com o homem que partiu seu coração ( e que não é seu ex-marido)". Humm. Não. Ela tinha decidido tirar o vizinho. E talvez Bernardo também não devesse ser levado em conta.

Irritou-se. Esse site não tinha o direito de fazer isso com as pessoas! Ela era apenas humana, pelo amor de Deus! Encarou o espaço em branco, desafiando-o a julgá-la pela sua vida amorosa. O espaço, porém, continuou em branco, esperando ser preenchido.

Carolina estava cansada. Levantou-se e foi tomar um copo d'água. Voltou mais calma, sentou-se na frente do computador e escreveu:

"Esse espaço é pequeno demais para a minha complexa vida amorosa".

Concluiu o cadastro. O que iam pensar dela quando lessem aquilo? Provavelmente não seria pior do que o que pensariam se ela tivesse escrito a verdade, foi a conclusão de Carolina. Também pensou que chegara a um ponto em que nada que fizesse poderia piorar sua situação amorosa.

Percebendo que tinha alguma coisa muito errada com seus relacionamentos, resolveu fazer algo a respeito. Desligou o computador e, como quem não quer nada, foi até o andar de baixo - só pra ver se o vizinho poderia emprestar uma xícara de açúcar.

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